NEGRO ROM

NEGRO ROM
INICIATIVA QUE RECONHECE A DIFERENÇA

terça-feira, 27 de julho de 2010

Ficção Científica

(José Carlos Peu)

Até meados da década de 1990, ‘2001, Uma Odisséia no Espaço’, ‘Blade Runner’, ‘Star Wars’, eram considerados ‘clássicos’, o que melhor se fez no cinema de ficção científica. Com um ou outro título sendo acrescentado ou retirado desta lista dos melhores, exemplo de ‘E.T. O Extraterrestre’, ‘Laranja Mecânica’, ‘Contatos Imediatos do 3º Grau’, ‘O Dia em Que a Terra Parou’, ‘O Planeta dos Macacos”, etc, tudo já estava definido. Parecia que tudo era um fato consumado e que nada de importante surgiria. Porém, esqueceram de avisar isso a Andy e Larry Wachowski, e eles lançaram em 1999 ‘Matrix’, filme que tornou-se a ‘pedra de toque’ de todos os outros filmes de ficção científica por um bom tempo.

A importância de uma obra de arte não pode encerrar-se em si mesma. Tal importância reside, em minha opinião, muito mais na capacidade de influenciar outras obras de arte em seu ramo e, até mesmo, influenciar obras em outras mídias. Neste quesito, é fácil entendermos a importância do filme ‘Matrix’ para a cultura, seja ela pop ou não. Este filme influenciou o cinema, posto que a maioria dos filmes posteriores se parecem um pouco com ele. Mas influenciou também quadrinhos, séries de TV, literatura, e até universidades. Não falo apenas dos cursos de filosofia, lembro-me bem de uma aula de antropologia da educação onde o professor discutiu ‘Matrix’ com a turma ao explicar o conceito de realidade pouco antes de indicar um texto do antropólogo Gilberto Velho.

Se tais coisas não são o bastante para atestar que ‘Matrix’ é um dos maiores filmes de ficção cientifica de todos os tempos, o melhor desde ‘2001, Uma Odisséia no Espaço’, e um grande abre-alas para o século XXl, eu não sei mais o que poderia ser o bastante. Darren Aronofsky deu, um pouco antes de lançar ‘The Fontaine’, uma entrevista que dizia que no momento em que assistiu ‘Matrix’ ficou muito triste, pois pensava em filmar uma grande história de ficção
científica, mas, depois de ‘Matrix’, nada mais fazia sentido. Por muitos anos ele tentou escrever um grande roteiro de ficção, até que escreveu ‘The Fontaine’, que segundo ele era o mais espetacular filme de ficção cientifica desde ‘Matrix’. Apesar da brilhante atuação de Hugh Jackman como protagonista da história, quem se lembra do filme ‘The Fontaine’? Eu dou uma ajudinha, o título no Brasil foi ‘A Fonte da Vida’. Alguém se lembra?

O ‘efeito Avatar’ ainda não é plenamente conhecido, mas, ‘Avatar’ não foi o grande filme que todos esperavam que fosse. Mesmo que represente um grande avanço tecnológico, este filme não foi realmente um grande representante na galeria dos filmes de ficção científica. Um filme muito mais barato/simples que ‘Avatar’, e que apresentou um grau de originalidade muito superior foi ‘Distrito 9’. Idéia extremamente original, e com um viés social muito acima da média da maioria dos filmes de ficção cientifica recentes. Novamente digo, em minha opinião, ‘Distrito 9’, de Neill Blomkamp, é o melhor filme de ficção científica desde ‘Matrix’. Uma das grandes qualidades de ‘Distrito 9’ era a mistura de ficção e documentário. Esta técnica, quando bem utilizada, produz um efeito de potencializar a sensação de realidade
nos espectadores do filme. Um filme espetacular que utiliza muito bem esta mesma técnica é o curta ‘Recife Frio’, de Kleber Mendonça Filho, que trata de uma inexplicável mudança climática que faz cair neve em pleno Pernambuco. Este filme é altamente recomendável.

Hoje sabemos que a história é cíclica, e que recomeça a cada instante. Não há motivos para nos fecharmos na velha concepção do que era ‘clássico’, e do que era ‘descartável’. O novo está sendo criado, agora, neste momento, que venham novas histórias!

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Linguagem e Exclusão


“Tem alguma coisa estranha no jeito como você pronuncia as palavras. Você é nordestino?” – Essa pergunta me foi feita por uma amiga num estágio. A minha esposa, também, costuma rir de algumas pronúncias que ela diz serem muito arrastadas. É somente natural que eu carregue o sotaque nordestino na maneira de pronunciar algumas palavras.

A minha família é natural do município de São Lourenço da Mata, em Pernambuco, e veio para o Rio de Janeiro quando eu tinha apenas dois anos de idade. Criado por pais nordestinos e rodeado por tios, tias e sobrinhos com o jeito nordestino de falar, era inevitável que em
algumas palavras as minhas origens se fizessem mais presentes do que em outras.

Notamos que os grandes grupos culturais, mesmo dentro de um mesmo país, diferenciam-se e isolam-se em suas relações. Os signos lingüísticos de maneira geral refletem as diferenças e desmascaram domínios de códigos dispares. “Apesar de pertencermos a uma mesma ‘comunidade semiótica’, há uma diversidade de domínios lingüísticos devido à diversidade das várias regiões que compõem o território brasileiro, onde predominam linguajares com suas características próprias.” (FERREIRA, 1999)

Tratando especificamente da linguagem oral, é inevitável não percebermos a linguagem como porta-voz da exclusão. As pessoas que vão das zonas rurais para os grandes centros urbanos
são geralmente encarados como miseráveis, despreparados, sem cultura, muitos chegam a dizer que tais pessoas ‘nem sabem falar’. É como se a forma como tais pessoas falam não possui valor algum já que não falam como ‘nós’. Deste ponto até a generalização é apenas um passo. Qualquer pessoa que não fale como os citadinos das grandes cidades do Sudeste, o padrão lingüístico para o restante do Brasil, são logo acomodados em grandes grupos tais como ‘paraíbas’, ‘baianos’, ‘mineiros’, etc. Notamos, também, que os sotaques das regiões mais ao
sul são apenas exóticos, enquanto os sotaques das pessoas do Norte e Nordeste são tratados não apenas como exóticos, sendo bastante estigmatizado.

A linguagem, cada vez mais, tende a excluir pessoas que estão fora dos seus grupos culturais de origem e não dominam os códigos lingüísticos do grupo cultural que visam integrar-se, o grupo dominante. Mas, a linguagem, deveria servir para a união dos homens e não para a exclusão. Este é o desafio que, mais do que nunca, se nos apresenta.

Bibliografia:

Ferreira, A. P. O Migrante na rede do outro. Ensaios sobre alteridade e subjetividade. Rio de Janeiro/Belo Horizonte: Editora TeCorá, 1999.

José Carlos Peu, 19 de Julho de 2010. 22:11 h.

domingo, 18 de julho de 2010

Âmbar

(J.C. Alcantara)

Não sou branco
Sou franco,
O negro é pranto,
E, o pranto ecoa pelo tempo,
Lúgubre, lúgubre.

Sou negro,
Sou homem,
Mas, se fosse branco,
Seria um homem
Assim como sempre fui.
Isto está juramentado
E ajuramentado,
Aresto, aresto.

Sou um homem
Como todos os outros.
Não digam o contrário,
Nem criem barreiras!
Uma criança nasce chorando e gritando:
“Acesso, acesso!”

* Poesia extraída do livro "Negro Rom", de Alcantara e Lessa. Em breve publicado pelo "Clube de Autores".

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Banquete dos Mendigos


(A. C. Andano)

Oh, antíteses! Que trazeis hoje?

Um banquete de mendigos?

Um molusco bonachão?

Um cidadão solidário?

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!

Traga-me tudo! Estou faminto...

Não há nada melhor que retornar sabendo que é definitivo...
Então, sem temor, relacionemos os três objetos acima. Sim, eles têm muito em comum!

O Banquete dos Mendigos...
Sempre pensei que fosse mentira da oposição, mas há mendigos que fazem sopa de jornal com pedras... Que bizarro! Nunca vi um mendigo saboreando uma dessas, mas um colega me garantiu que é verdade!
Enquanto isso o que temos “dando sopa”? Nosso Molusco Bonachão, claro!! Ele não só fala, como dirige um país! É um primor, e especialmente competente com as palavras! Recentemente defendeu de forma ímpar seu povo contra uma grande entidade desportiva, ele gritou em plenos pulmões (sic, o meu molusco tem pulmão): “Acham que somos um bando de idiotas”.
Não, não acham... Eles têm certeza... E talvez, trocando pelo silêncio, até queiram dividir os lucros do superfaturamento com as obras emergenciais para 2014. Ah, obras que serão pagas pelo ilustre cidadão solidário! Obrigado, cidadão!

Poucos conhecem, mas Banquete dos Mendigos, também foi nome dado a um projeto dirigido por Jards Macalé (o Jards de novo, mas ele merece toda a atenção). O banquete tratava-se de um show comemorando os 25 anos da Declaração dos Direitos Humanos... em plena ditadura militar! Cantores renomados, como Paulinho da Viola e Milton Nascimento, participaram do evento que intercalava músicas e leitura de artigos da declaração.
Naquela época, somente militares podiam ser presidente. Não era permitido imaginar um molusco no poder, quem dirá bonachão! E o cidadão não só era solidário, como subjugado.

Jards foi preso diversas vezes, porque, afinal de contas, lugar de banquete não é no estômago de mendigos.

E então, antíteses? Seria o mundo de hoje melhor que o de ontem?

Hoje podemos escolher o tipo de animal que queremos para presidente. Difícil é distinguir qual deles é humano.

Hoje o cidadão solidário tenta o Habeas Corpus de um total desconhecido. Difícil é usar essa motivação pra algo que preste.

Hoje podemos escolher entre um Banquete dos Mendigos, e uma sopa de jornal com pedras... difícil é não perder o apetite antes...

* A imagem acima é a capa do vinil "Banquete dos Mendigos, (1973)", encontra-se originalmente no endereço da web: http://300discos.files.wordpress.com/2009/08/cc26-jards-macale-o-banquete-dos-mendigos.jpg?w=295&h=300

sábado, 10 de julho de 2010

Racismo em Debate

(Peu)

Temo parecer repetitivo ao escrever nova crônica sobre o mesmo tema,
apenas uma semana após “Sobre como me tornei racista”. Porém, não sou eu que me repito, são os acontecimentos que se repetem, e se não pararmos um pouco para refletirmos sobre eles, parecerão mais um dos absurdos normais do dia-a-dia. Não podemos nos calar.

Sábado passado (03/07/2010), eu estava a conversar banalidades com meu cunhado, J., irmão de minha esposa, quando fomos interrompidos pelo seu filho, L., que tinha algo muito importante para nos dizer. Paramos para ouvi-lo, mas o que ouvimos não eram palavras de um
adolescente negro de 13 anos de idade. Eram palavras de outras pessoas, que por algum motivo, acabaram caindo na boca do L. O que ele nos disse era “apenas uma piada”, na sua concepção, “não precisava ser levado á sério.”

“Um garoto da escola me disse que a mãe dele tinha lhe dado á luz, mas que a mãe do fulano, um garoto lá da sala, tinha dado um curto-circuito.”

O L. não conseguia parar de rir enquanto nos contava
a ‘piada’. Pouco tempo antes, em um dos vários estágios que realizei para concluir o curso de Pedagogia, escutei um menino ‘moreninho’ contando para um grupo de amigos uma piada que dizia que um rapaz havia se machucado e foi a uma farmácia comprar um esparadrapo da cor da pele. O farmacêutico pediu-lhe desculpas, mas, por aquele estabelecimento não ser uma loja de materiais de construção, não vendia ‘fita isolante’.

A Lei 10.639/03, e mais recentemente a Lei 11.465/08, versa sobre a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura da África no currículo dos estabelecimentos de ensino públicos ou particulares. Penso que as escolas só vão se esforçar para cumprirem esta lei quando estes conteúdos forem requisito para as provas do vestibular.

Mas, voltando ao L., o que a escola está ensinando aos nossos jovens eu não sei, mas tive que dizer ao L. que esta piada era racista.

“Eu
sei!” - disse L. sem parar de rir. Neste momento o seu pai falou: “Você é preto (se referindo a mim), eu sou preto, ele é preto, vem contar uma piada dessas e quando alguém fala que é racista ele diz que sabe, mas continua rindo...” L. se afastou de nós com um sorriso um pouco forçado, provavelmente não esperava que sua piada resultasse num ‘sermão’.

O fato de que o L. deve me considerar apenas um ‘moreninho’ fez com que pensasse que eu iria gostar da sua piada. Eu pensei em não falar nada, em deixar que seu pai falasse. Mas, penso que se eu calasse, J. talvez calasse também. Mesmo que ele não desse atenção e não sorrisse, como de fato não sorriu, se ele calasse deixaria de passar uma lição para seu filho, um valor.

Questões raciais são mesmo algo espinhoso. Na verdade, tanto a escola como praticamente todas as outras instituições da sociedade, não estão ensinado nada, estão calando-se no que tange a questões raciais, de modo que quem se pronuncia fica parecendo apenas um chato, um
panfletário, um radical, um fanático. É claro que sempre há exceções. Existem muitas brechas e aberturas que possuem a possibilidade de se tornarem portas abertas para o debate, mas é necessário que não nos calemos. Toda a sociedade, brancos, ‘moreninhos’ e nós negros, devemos aproveitar para nos inserirmos neste debate, que visa a criação de uma sociedade mais igualitária. Neste ponto, aproveito para lembrar que a Lei 11.465/08 inclui, também, o estudo da história e da cultura indígena na formação do Brasil como tema obrigatório no currículo escolar.

Mais uma vez, não nos calemos!


José Carlos de Alcantara, 08 de julho de 2010, 08:30 da manhã.

sábado, 3 de julho de 2010

Sobre Como Me Descobri Racista

(Peu)

Na última sexta-feira, amanhã fará exatamente uma semana, me descobri racista. Digo me descobri, mas deveria dizer que me desmascararam. Eu e minha esposa fomos numa cerimônia de casamento. Ela estava "um pouco" a trabalho, visto que é cabeleireira; estava preparada para imprevistos, principalmente com a dama de honra. A dama, uma menina de
9 anos, que durante a cerimônia ficou do lado de fora num carro esperando a hora de entrar com as alianças.

Eu fotografava a menina, enquanto um de nossos amigos, brincando, pegou as alianças da menina e pediu para que eu o fotografasse. Sua esposa falou de forma ríspida censurando-o: “W. você já é preto, não precisa ficar dando escândalo para aparecer.” Tive que me intrometer, disse-lhe: “Falando desse jeito você me ofende!” Eu, sinceramente, não estava preparado para a declaração seguinte: “Que isso Zé Carlos, deixa de ser racista. O W. é muito mais preto que você! Você é marrom bombom. Dizer que você é preto é racismo. Você tem de se aceitar como moreninho!”

Para mim este discurso foi algo novo. Eu me descobri racista, pois não me aceitava como uma pessoa morena, reivindicando minha negritude. Resolvi que não valia a pena correr o risco de estragar a cerimônia religiosa, explicando e me autodeclarando negro.

No fim de semana, não lembro exatamente se foi no sábado ou no domingo, no intervalo de algum jogo da copa do mundo de futebol transmitido pela Rede Bandeirantes, assisti uma propaganda dos postos Forza, onde um homem de fenótipo negro dizia ser muito importante que as pessoas escolham o melhor para si. Ele explica que sempre escolhe os melhores materiais para o seu negócio, para seu escritório. Até este momento, a cena se concentra apenas no rosto do homem. Depois que ele começa a concentrar sua fala no escritório, a cena abre para que possamos ve-lo. A imagem que surge é a de um táxi sendo abastecido no posto Forza.

O que me chamou a atenção neste comercial foi que passava a idéia de que o personagem vivido pelo homem negro era uma pessoa bem sucedida, tanto que possuía seu próprio escritório, seu próprio negócio.

Infelizmente, o anuncio meio que delimita as possibilidades de um homem negro, indicando que seu lugar social, de negro bem sucedido, é o volante de um táxi. Mais uma vez me veio à cabeça a declaração da esposa do meu amigo W. que resolveu me contar que sou
racista.

Nesta terça-feira (29/06/2010), atendi na biblioteca da Escola Livre de Cinema de Nova Iguaçu, onde realizo estágio de Pedagogia, um homem que solicitou um roteiro do Cacá Diegues para tirar algumas Xerox. Pedi que deixasse um documento seu, como de praxe, mas quando ele retornou conversamos bastante sobre cinema. Ele me mostrou fotos do seu celular dos bastidores das filmagens do filme ‘Os Mercenários’, do Sylvester Stallone. No meio da conversa, ele comentou sobre um ator negro de um seriado policial que se passa em São Paulo, e que ele conheceu recentemente. Ele disse que o cara era mais negro que eu. Eu não era negro, era apenas mulato. Apenas mulato. Isso é frustrante. A única coisa que me deu um pouco mais de alento nesta conversa foi que ele disse, também, que Barack Obama não era negro. Ambos, eu e o Obama, éramos moreninhos.

Numa única semana, três ocasiões distintas onde minha identidade negra foi questionada, ou ultrajada, com uma limitação de possibilidade profissional. Foi uma surpresa que a rede Forza não tenha apresentado um negro bem sucedido na sua carreira profissional como um frentista.
Enfim, eu era racista. Eu e o Obama éramos apenas moreninhos, e o mundo, o mundo é perfeito.

*Crônica escrita no dia 01/07/2010, 01:55 da manhã.