NEGRO ROM

NEGRO ROM
INICIATIVA QUE RECONHECE A DIFERENÇA

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Nossa Ligação

(A.Lessa)



O celular vibrou
E eu atendi
Crendo ser você
Já não agüentava mais esperar
Pra te ouvir
Dizer com a voz tão meiga:

“- Olá... Meu bem?
Eu te acordei?
Me desculpe pela hora...”

Mas a vibração agora
Atende ao meu chamado
É aprazível e alonga
Nossa ligação.


* Essa poesia, pequenina e singela, da qual tenho carinho especial, faz parte do livro "Negro Rom" de Lessa e Peu.

domingo, 22 de agosto de 2010

Gorillus morbiddus

Me dê um beijo meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estantes, as estátuas
As vidraças, louças
Livros, sim...

Caetano Veloso - Proibido Proibir


Após uma semana de divulgação do livro Negro Rom fui flagrado desejando, ignobilmente, sofrimento, dor e sangue. Calma. Era um desejo situado, unicamente, no plano voyeurista. Nada de materializações.

Curiosamente esse afã, mesmo nos cidadãos mais pacatos, se manifesta com relevante freqüência. Quem nunca desejou quebrar o que (ou quem) estava pela frente? É um resquício de nossa descendência símia, não há que se envergonhar, acho...

O final de semana chegou e, acompanhado dele, o espírito simiesco desejoso de poder. No meu caso o poder era irrelevante, só queria mesmo alimentar uma espécie de sadismo irreverente, que se fazia tão presente quanto imponente.

Começou no sábado com Abel Ferrara e seu primeiro filme independente, o despretensioso (e de baixíssimo custo) “Assassino da Furadeira” (1980). Quem conhece Ferrara sabe o que esperar. É agora, pensei. Um filme que fala sobre a linha tênue que nos separa da insanidade. Fui agraciado com banhos de sangue, e uma violência aparentemente sem propósito, mas não: eu entendia aquela violência, aquela raiva, aquela furadeira elétrica destruindo miolos, espalhando catchup como manda a receita dos mais consagrados filmes B. Beleza.

Confesso que deu uma relaxada, mas meu primata interior queria mais. A noite chega, e o domingo também. Descobri passando na TV o filme “Sexta-feira 13” (2009), o novo que não é remake. “Vamos lá macaquito, você tem a força”.

Sou fã do Jason, mas esse filme me fez dormir... Logo no início uma mulher siliconada, doida pra dar, mostrou os seios, mas nem isso foi legal... Mais fraco que o Sexytime, do Multishow, pelo amor de deus. Mortes bobas, com cheiro de coisa sintética.

A produção mais rica toma o lugar da independente. A independente, geralmente, é discriminada por ser... independente! E o macaquito, como fica? E o macaco, caralho?!

Ferrara, diferente, inteligente, pouco conhecido e com baixo orçamento conseguiu alimentar o Neanderthal que há em mim. Já o Jason atual, de Michael Bay, só o adormeceu. De uma certa maneira isso foi esclarecedor: se até um macaco consegue reconhecer qualidades na diferença, para um ser humano isso também não deve ser difícil.

domingo, 15 de agosto de 2010

Negro Rom - (J.C.Peu e A.Lessa)

Capa: Thiago Miranda de Oliveira.


Depois de muitas citações neste blog, e uma semana sem postagens...


Negro Rom, de José Carlos Peu e Alexandre Lessa, é publicado pelo Clube de Autores!

Um projeto iniciado em 2003, engavetado em 2005, e agora, após uma série longa de revisões, vem a público em 2010!

O livro é composto por poesias de temas diversos, mas com um objetivo em comum: discutir sobre a alteridade (reconhecimento da diferença).

Os colegas leitores da "Secretistas" acompanham nossa missão pedagógico-literária de apresentar um trabalho livre de preconceitos, e pró-alteritário. Negro Rom é anterior, embora com lançamento posterior, a tudo isso.

Negro Rom é o pai tímido deste blog. Severo, amável, poético e secretista. Um sonho bom de liberdade artística e literária.

Link no Clube de Autores: Negro Rom (J.C.Peu & A.Lessa); 1ª Edição. Rio de Janeiro. Clube de Autores, 2010.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Racismo à Brasileira

(José Carlos Peu)

Recentemente tenho escrito crônicas sobre o racismo partindo, porém, de minha própria vivência. Alguns amigos teceram comentários sobre meus escritos, alguns elogiosos, outros nem tanto. Nesta crônica, me proponho a aprofundar mais este mesmo tema, e ao mesmo tempo responder alguns comentários que recebi. As respostas estarão espalhadas por todo o texto.

Florestan Fernandes disse, numa frase lapidar, que a sociedade brasileira desenvolveu o preconceito de ter preconceito. Pesquisas recentes comprovam isso ao mostrarem que 89% dos brasileiros concordam que o Brasil é um país racista, mas, menos de 10% das mesmas pessoas que reconhecem este fato se auto-declararam racistas. A pergunta que os pesquisadores estão até agora se esforçando para encontrarem a resposta é: Como pode um país ser racista sem a existência de cidadãos racistas?

Na realidade, o preconceito existe, e é facilmente observável se atentarmos às seguintes questões: Se o número de negros e pardos é de 49% da população brasileira, por qual motivo o percentual de jovens negros e pardos no ensino superior é de apenas 2%? Se a Bahia é o estado com o maior número de negros no Brasil, por qual motivo as maiores cantoras do principal ritmo musical baiano, o axé, são brancas? Se o número de jogadores de futebol negros é tão elevado no Brasil, por qual motivo o número de técnicos de futebol negros é tão diminuto?
Qual a explicação para o fato de termos tão poucos apresentadores (as) de programas de televisão negros num país onde, repito, 49% da população são negros e pardos? Qual a explicação para o fato de que 99,9% dos comerciais de automóveis serem protagonizados por pessoas brancas? Paremos por aqui, posto que mais detalhamentos desta vergonhosa situação é extremamente cansativa tanto para mim, quanto para quem vier a ler esta crônica.

Antes de responder a qualquer dessas questões, meditemos em outra, por qual motivo um número enorme de pessoas continuam dizendo que não existe preconceito no Brasil? Dentre tais pessoas, até mesmo vários negros e pardos procuram defender a tese de que não existe racismo no Brasil. Um sociólogo francês, chamado Pierre Bourdieu, morto no ano de 2002, pode nos ajudar a entender um pouco por que se dá tal fato. Entre as muitas de suas contribuições encontramos um conceito bastante trabalhado por Bourdieu, o conceito
de violência simbólica. De que se trata? De forma resumida, a violência simbólica é um tipo de violência onde a vítima não consegue perceber que sofreu um ataque a sua dignidade. É
uma imposição dissimulada de um capital cultural imposto como superior a todos os outros capitais culturais, que nem mesmo conseguem perceber a dominação sofrida. É importante entendermos que este processo tem de ser dissimulado sempre, caso contrário a violência não será simbólica, sendo, também muito mais fácil de ser combatida. Da mesma forma, a vítima da violência não pode perceber este processo.

O preconceito no Brasil é assim, dissimulado, onde a maioria das pessoas que o sofrem não conseguem perceber, e onde um capital cultural de uma elite branca é imposto sobre todos os outros capitais culturais. Apenas muito recentemente na sociedade brasileira a questão do
preconceito se tornou parte dos principais debates na sociedade. Isto é bom, posto que se uma pessoa que sofre com fortes dores de cabeça, ou de depressão profunda, não se reconhecer como alguém que padece de um sério problema e que precisa de algum tipo de tratamento, dificilmente se verá livre de sua doença, ou pior que isso, poderá sentir na pele o agravamento de sua situação.

Se temos algum tipo de preconceito, o melhor que temos a fazer é enfrentar isso por meio de mais informação sobre a nossa situação. Não adianta nada ter preconceito de ter preconceito. Geralmente este remédio simples, mais informação de fonte confiável, consegue combater os principais sintomas desta doença.

José Carlos Peu. 08/2010.