(José Carlos Peu)
Recentemente tenho escrito crônicas sobre o racismo partindo, porém, de minha própria vivência. Alguns amigos teceram comentários sobre meus escritos, alguns elogiosos, outros nem tanto. Nesta crônica, me proponho a aprofundar mais este mesmo tema, e ao mesmo tempo responder alguns comentários que recebi. As respostas estarão espalhadas por todo o texto.
Florestan Fernandes disse, numa frase lapidar, que a sociedade brasileira desenvolveu o preconceito de ter preconceito. Pesquisas recentes comprovam isso ao mostrarem que 89% dos brasileiros concordam que o Brasil é um país racista, mas, menos de 10% das mesmas pessoas que reconhecem este fato se auto-declararam racistas. A pergunta que os pesquisadores estão até agora se esforçando para encontrarem a resposta é: Como pode um país ser racista sem a existência de cidadãos racistas?
Na realidade, o preconceito existe, e é facilmente observável se atentarmos às seguintes questões: Se o número de negros e pardos é de 49% da população brasileira, por qual motivo o percentual de jovens negros e pardos no ensino superior é de apenas 2%? Se a Bahia é o estado com o maior número de negros no Brasil, por qual motivo as maiores cantoras do principal ritmo musical baiano, o axé, são brancas? Se o número de jogadores de futebol negros é tão elevado no Brasil, por qual motivo o número de técnicos de futebol negros é tão diminuto?
Qual a explicação para o fato de termos tão poucos apresentadores (as) de programas de televisão negros num país onde, repito, 49% da população são negros e pardos? Qual a explicação para o fato de que 99,9% dos comerciais de automóveis serem protagonizados por pessoas brancas? Paremos por aqui, posto que mais detalhamentos desta vergonhosa situação é extremamente cansativa tanto para mim, quanto para quem vier a ler esta crônica.
Antes de responder a qualquer dessas questões, meditemos em outra, por qual motivo um número enorme de pessoas continuam dizendo que não existe preconceito no Brasil? Dentre tais pessoas, até mesmo vários negros e pardos procuram defender a tese de que não existe racismo no Brasil. Um sociólogo francês, chamado Pierre Bourdieu, morto no ano de 2002, pode nos ajudar a entender um pouco por que se dá tal fato. Entre as muitas de suas contribuições encontramos um conceito bastante trabalhado por Bourdieu, o conceito
de violência simbólica. De que se trata? De forma resumida, a violência simbólica é um tipo de violência onde a vítima não consegue perceber que sofreu um ataque a sua dignidade. É
uma imposição dissimulada de um capital cultural imposto como superior a todos os outros capitais culturais, que nem mesmo conseguem perceber a dominação sofrida. É importante entendermos que este processo tem de ser dissimulado sempre, caso contrário a violência não será simbólica, sendo, também muito mais fácil de ser combatida. Da mesma forma, a vítima da violência não pode perceber este processo.
O preconceito no Brasil é assim, dissimulado, onde a maioria das pessoas que o sofrem não conseguem perceber, e onde um capital cultural de uma elite branca é imposto sobre todos os outros capitais culturais. Apenas muito recentemente na sociedade brasileira a questão do
preconceito se tornou parte dos principais debates na sociedade. Isto é bom, posto que se uma pessoa que sofre com fortes dores de cabeça, ou de depressão profunda, não se reconhecer como alguém que padece de um sério problema e que precisa de algum tipo de tratamento, dificilmente se verá livre de sua doença, ou pior que isso, poderá sentir na pele o agravamento de sua situação.
Se temos algum tipo de preconceito, o melhor que temos a fazer é enfrentar isso por meio de mais informação sobre a nossa situação. Não adianta nada ter preconceito de ter preconceito. Geralmente este remédio simples, mais informação de fonte confiável, consegue combater os principais sintomas desta doença.
José Carlos Peu. 08/2010.