NEGRO ROM

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INICIATIVA QUE RECONHECE A DIFERENÇA

terça-feira, 11 de maio de 2010

O Dia Que Carla Camuratti Achou um Sorriso - 5ª Parte

A rua era estreita e terminava num beco sem saída para carros a pouco mais de trinta metros após a entrada do Anatole France. Eram quatro ou cinco carros, contando com os carros dos legistas, que fechavam a rua não permitindo que outros carros tivessem acesso ao final dela. Nos telhados de alguns casebres ao redor do colégio, várias outras aves de rapina apontavam seus fuzis e metralhadoras para os policiais que esperavam nos carros. Quatro policiais entraram no colégio junto com os bombeiros, enquanto dois ficaram do lado de fora, um em cada carro.

Sentiam medo e encolhiam-se por estarem acuados dentro de veículos frágeis, que não apresentavam nem sequer uma sombra de proteção contra todos aqueles armamentos à sua volta. Ademais, os policiais sabiam que estavam em uma emboscada. Simplesmente não podiam acreditar como seis homens experientes, acostumados a subir morros, foram cair nessa
furada de entrar numa favela para acompanhar bombeiros e legistas. Na verdade, não entendiam nem mesmo por qual motivo se precisava de legista num crime como esse.

Sentiam-se como o rato na fábula de Kafka que corria desesperado para uma ratoeira no fim de uma sala onde duas paredes se encontravam e, no ponto privilegiado da armadilha, cantavam baixinho e tamborilavam com os dedos na porta dos carros. Não admitiam um para o outro o medo que sentiam, mas, era tanto que nem sequer ousavam ficar conversando em pé
fora dos carros. Eram dois policiais cercados por bandidos por todos os lados. Todo palco estava preparado para uma grande tragédia, e seria uma tragédia não terminar assim o dia. Era inevitável que o gato kafkiano lhes desse a sugestão de mudar de lado, para que eles
fugissem da ratoeira, só para devorá-los.

Havia pouco tempo que Carla estava estagiando no colégio Anatole
France. Os longos corredores do antigo prédio, recentemente reformado, mesmo que bem iluminados causavam-na sempre certa cisma. O medo ia embora na presença de outras pessoas que todos os dias eram quase uma multidão. Alunos, professores, merendeiras, faxineiros, inspetores,
etc... Neste dia específico, não havia alunos nos corredores. As aulas foram suspensas e muitos funcionários aproveitaram para não trabalhar e voltaram para suas casas. Os corredores estavam vazios, Carla caminhava temerosa contando seus passos como quem se apega à esperança de encontrar um tesouro, rumo ao gabinete da diretora. Queria perguntar se poderia ir embora, e se aquelas horas que deveria fazer naquele dia seriam descontadas. Caminhava vacilante quando da porta de uma das salas de aula saiu um homem vestido com um guarda-pó branco, onde se lia alguma coisa no bolso do lado esquerdo do peito, mas que
ela não conseguiu ler o que era. O homem vestia luvas de procedimentos médico-cirúrgicos e trazia na mão esquerda um saco transparente que continha em seu interior um dedo indicador sujo de sangue, mas já ressecado. O homem era da perícia e assustou-se, também, ao ver uma
jovem surgindo de forma inesperada em sua frente. Para aumentar o susto do homem, Carla gritou histérica como as mocinhas em filmes de terror quando estão prestes a morrer.

O grito de Carla ecoou por todos os corredores vazios, e seu eco entrou sem pedir licença poética em todas as salas de aula. No mesmo instante que ela virou-se para o lado oposto ao qual caminhava, visando correr para se afastar do legista, deparou-se com vários outros homens. Eram policiais e outros legistas, além do inspetor do colégio e da diretora, mas, a sua mente, perturbada com o susto que acabara de levar, via apenas vários outros homens vestidos com guarda-pó portando vários outros sacos contendo indicadores. Desmaiou.

Ao acordar, a primeira imagem vislumbrada foi o rosto rotundo da diretora bem perto do seu. Dizia de forma doce seu nome enquantopassava docemente as mãos em seus cabelos. Evocava calma, mesmo naquele instante tão delicado para uma demonstração de calma, ao pegar suas mãos e tentar lhe passar força. Com todo este carinho, foi lembrando pouco a pouco a causa do desmaio. Viu, novamente, como que num flash, os homens, todos saindo ao mesmo tempo das salas do imenso corredor, cada um com um saquinho com um indicador em seu interior. Suas pupilas se dilataram e ela olhou rapidamente para todos os lados. Estava muito assustada. Mas não havia homens nem dedos indicadores decepados naquele ambiente. Tais imagens
pavorosas davam lugar a armários-arquivos, paredes com quadros que reproduziam obras de Monet, alguns vasos com belos arranjos de flores, e o tom plácido em que foram pintadas as paredes. Agora, reinava novamente a paz.

Ficou a par de tudo o que acontecera, e envergonhou-se dos risos que acabou causando aos legistas e aos policiais. Tomou um copo de água com açúcar e começou a compreender que chacinas são coisas tão comuns quanto o ar que se respira, estando em todas as partes da cidade. Mas, nada disso era motivo para desmaios, nada disso é um fato social
significativo no subúrbio.

* Em Breve: O retorno de Animalia Sensual (por El Bailaor) e o início da saga Anti-Brasil na Copa 2010 (por Adriano C. Andano).

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