torcia sua retina em busca de mais algumas gotas de lágrima. Já havia chorado muito naquele dia, parecia não ter mais gota alguma de lágrima em seus olhos. Sentia-se cansada. Não lutaria mais contra o mundo á sua volta. Sentia-se pronta para conformar-se com o mundo à sua volta
passivamente. Chegou á conclusão que sua luta muda contra o sistema, inevitavelmente, resultaria em derrota.
Ao descer do carro na entrada da comunidade onde morava, não queria ter de responder perguntas sem sentido, e mesmo que estivesse decidida reagir ao mundo de forma passiva, poderia começar a agir assim no dia seguinte. E, quando os bandidos puseram-se em seu caminho e lhe perguntaram “em quê o movimento de contracultura tinha contribuído
para o pensamento de responsabilidade social das empresas transnacionais”, Carla não suportou a hipocrisia do mundo e deu um grito com todas as forças que lhe restavam. Libertou de uma só vez toda a insatisfação de ser cerceada no que tinha de mais precioso, sua liberdade. Sua insatisfação quase se fez um objeto concreto ao atingir os homens armados parados á sua frente.
- Saiam da minha frente, seus abutres! Não responderei ás suas perguntas descabidas! Monstros! Imbecis! Entrar em minha própria casa sem dar satisfações é meu direito! Nunca mais vou responder pergunta alguma! Liberdade ou morte!
No momento em que estas palavras foram articuladas pelos músculos na garganta de Carla, a terra parou em seu eixo e, junto com ela, pararam todas as pessoas que passava ali naquele momento. Todos ficaram na expectativa de verem como seria a reação dos facínoras. Algumas
mulheres de idade indefinida com lenços coloridos na cabeça e vestido de chita começaram a chorar e se bater em lamento, como aquelas matronas do Oriente Médio, na verdadeira Faixa de Gaza, que choram e se batem quando o exército de Israel mata seus jovens, que segundo elas, não tinham envolvimento com o terrorismo. As mulheres daqui sofriam por antecedência o fim, que davam como certo, da pobre mocinha que ousava desafiar o tráfico. Mas, sabemos que lei é lei, e nenhum meliante ali seria tolo o bastante para desobedecer a uma lei do chefe do tráfico. Assim, nada aconteceu. Nunca mais pararam Carla ao entrar ou sair da comunidade. Era do grito de liberdade que ela precisava para que o nó que sentia na garganta fosse desfeito. De certo que tudo o que podia conseguir era uma pseudoliberdade amorfa, mas, já era algum começo. Melhor uma liberdade ilusória do que nenhuma esperança.
Os dedos indicadores e mandíbulas continuaram a visitar os sonhos de Carla por muito tempo. Os zumbis de jaleco se tornaram monstros cada vez mais pavorosos, e ela acordava desejando nunca ter ido ao Anatole naquele dia fatídico. Anatole, Anatole! Pobre Anatole! Pequeno entre os grandes e eternamente relegado ao esquecimento. Nunca sairá de ti um doutor em literatura francesa, por exemplo. Mas, como já disse uma vez alguém muito especial: “improvável não é impossível!” Quem sabe algum dia Carla não mais sonhe, e homens não mais morram!
Dedicado à Eliane Costa.
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